. Por Betina Sarue, para o Instituto Ethos |
A Agência Mandalla foi criada no ano de 2003, na Paraíba, com o objetivo de difundir um conceito inovador de desenvolvimento por meio da união do saber popular com o saber científico. O Projeto Mandalla tornou-se uma metodologia de desenvolvimento, com a missão de transformar a agricultura familiar em um negócio economicamente rentável, socialmente responsável e ambientalmente sustentável. Baseado no desenho circular de uma mandala, ele permite a um agricultor familiar, com poucos recursos, cultivar vários tipos de frutas, legumes e verduras e ainda criar pequenos animais, sem o uso de agrotóxicos e aproveitando todos os recursos naturais sem desperdício.
Cinco anos e vários prêmios depois - entre eles o Prêmio Inovação em Sustentabilidade, organizado em parceria pelo Instituto Ethos e pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) - o conceito e o método da Mandalla já alcançaram municípios em doze Estados brasileiros. Impulsionado pelo Prêmio Inovação, que foi entregue em maio, durante a Conferência Internacional Ethos 2008, o Projeto deve chegar, nos próximos cinco anos, a todos os Estados e a alguns países da América Central e da África, como Moçambique. Nesta entrevista, Willy Pessoa, fundador e presidente do projeto, conta como uma tecnologia de baixo custo pode transformar e melhorar a vida dos brasileiros mais necessitados, não só na zona rural, mas também na periferia das cidades.
Instituto Ethos: Qual o conceito do Projeto Mandalla?
Willy Pessoa: É um processo de desenvolvimento que se dá pelo crescimento de uma mandala, que vai se formando como um corpo. Se você observar tudo o que existe na natureza, nos seres vivos há essa seqüência - células que vão gerar um corpo, um organismo. O indivíduo faz parte do universo da família, que faz parte da comunidade, que faz parte do município, do Estado, do país, até chegar ao planeta Terra, ao sistema solar e finalmente ao universo. O desenho do nosso projeto obedece ao desenho do universo mais próximo do nosso, que é o sistema solar. Contém um centro e nove círculos, que representam o sol e nove planetas. O centro é o sol, responsável pela geração de luz, de energia. No Projeto Mandalla, o centro é o lago, responsável pela geração de energia a partir da água, além da criação de peixes e marrecos. A partir do centro se distribui a energia, em nove círculos alimentados pela água. Em cima do lago há uma pirâmide hexagonal, que chamamos de o berço piramidal, e que sustenta a linha de distribuição da água. Cada Mandalla tem uma área de 50 X 50 metros, ou seja, um quarto de hectare, nos quais estão os quatro elementos: terra, fogo, água e ar.
IE: Quais foram as principais dificuldades na implantação do projeto?
WP: Tivemos muitas dificuldades, no início, porque não tínhamos recursos. Fomos montando o processo, e nesse universo, os prêmios que recebemos são muito importantes. O prêmio do Instituto Ethos nos deixou muito satisfeitos, porque é representativo em termos de empresas e vai de encontro ao nosso ponto, que é auxiliar o campo e educar a cidade.
IE: Como mostrar aos beneficiados a renda que será gerada pela venda da produção da Mandalla? Se a família consome o que produz, não precisa trabalhar fora para comprar comida?
WP: Nós dizemos: primeiro você deve vender a você mesmo - senão vai ter de comprar e gastar dinheiro, e para isso deverá ter um emprego. A alimentação é a base de tudo. Se a família produz o que come, é como se já partisse ganhando 1000 reais, que é o que ela precisa gastar com alimentação. E, depois que se alimentar, vende os excedentes. Nessa venda, cada unidade de produção familiar vai gerar pelo menos seis empregos. Além disso, se está no campo, não precisa pagar aluguel, que seria mais ou menos 300 reais. É como se a família já começasse ganhando 1300 reais.
IE: Qual a influência do Projeto na estrutura social da comunidade?
WP: Hoje, o salário mínimo está muito aquém das necessidades de calorias que precisamos por dia. As pessoas não estão mais produzindo alimentos, estão comendo pouco e por isso estão nas filas dos hospitais - de cada 100 pessoas, 75 não estariam lá se estivessem bem alimentadas e vivendo em boas condições de higiene. Assim, com o Projeto Mandalla, a família passa a produzir sua alimentação e a vender o excedente, criando um enriquecimento na célula familiar. Além disso, com as feiras da produção das Mandallas, o dinheiro fica dentro dos municípios. Isso enriquece o grupo de famílias e os municípios. O PIB vai se criando a partir da família. O PIB não vai subir se as pessoas não entenderem que a célula-base é a família, e depois o município. É preciso transformar o miserável em pobre e o pobre em empreendedor. Os programas sociais são paliativos, clientelistas, pura politicagem. O Brasil é rico em potencial e pobre em conhecimento. E nós trabalhamos a informação para o conhecimento com o potencial que temos. É um processo de empreendedorismo, de aproveitar o capital humano e ambiental para o capital social. Isso nasce a partir da família, da célula produtiva.
IE: Há dificuldades na disseminação do Projeto entre as famílias?
WP: É difícil convencer as comunidades de que é possível produzir e gerar renda com o material disponível, agregando tradições e costumes com avanços tecnológicos. Como explicar que a garrafa PET, que é lixo, pode servir para uma porção de coisas? Na Mandalla a garrafa PET não é lixo, pode ser usada para o plantio de hortaliças. Há uma parceria com escolas para trabalhar esses conceitos com os alunos, para que eles aprendam lições que vão além dos números. São lições para a vida, que também podem levar a uma melhor integração entre as escolas e as famílias. Por exemplo, se o município tem 3000 alunos, e se cada aluno recolher seis garrafas PET, serão 18 mil garrafas. Cada uma apóia dois pés de tomate, então serão 36 mil pés de tomate. Considerando que são 3 quilos de tomate por pé, então serão 100 toneladas de tomate nos quintais! Isso é fazer contas de forma prática. É um processo de coleta de lixo, e que produz 100 toneladas de tomate a cada três ou quatro meses.
IE: Como esse projeto influencia nas cidades?
WP: Educar a cidade para consumir e capacitar o campo para produzir - esta intersecção é a linha mestra do projeto. A Mandalla pode alimentar dez famílias urbanas, portanto é necessário educar a cidade para consumir. No entanto, o importante é chegar ao foco das periferias, porque se tudo for vendido no centro, vai beneficiar as pessoas que têm dinheiro. É possível vender os produtos das Mandallas pela metade do preço do mercado, e com isso ajudar também as famílias urbanas pobres, que não têm muito dinheiro para comprar comida. No limite, diminuem a marginalização, as doenças, e tudo isso se reflete na economia local.
IE: Como você vê o conceito do desenvolvimento local?
WP: Desenvolvimento local não existe porque é um processo egoísta, concentrado. É preciso desenvolver o município vizinho também, deve ser o todo pela parte e a parte pelo todo, fazendo parte do conjunto. Não podemos concentrar a riqueza e a oportunidade em uma célula determinada, pois isso complica o corpo todo. Se não trabalhar o vizinho, ele vem para a periferia, e assim crescem as favelas. Nesse sentido, o município cresce, mas não se desenvolve.
IE: Quais os desafios para o futuro?
WP: Estamos trabalhando a difusão da Mandalla virtual, para dinamizar capacitadores com um processo de informação pela internet. Também há o projeto Mandalla Júnior, pois os jovens são a base. Estamos implantando um processo de gerenciamento a partir dos próprios jovens, que estudam na escola técnica e vão aos finais de semana até o município, recebendo uma bolsa que cobre esses gastos. Quando terminam o curso técnico, fazem um estágio de quatro meses na sede do projeto. Os que ficam aprendem a entender o conjunto, se reúnem a cada semana com o coordenador, planejam o que melhorar. É uma capacitação prática do potencial que trazem da escola, com as tradições, a cultura e o processo de mudança.
(Envolverde/Instituto Ethos)
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