sexta-feira, agosto 15, 2008

CHINA 2 . A tragédia do filho único

CHINA: a tragédia do filho único

Conforme os resultados do recenseamento publicado em Pequim, em 28 de março deste ano, a população da China teria chegado a 1 bilhão e 265 milhões de habitantes no fim do ano 2000. Teria havido um aumento populacional de 132, 12 milhões em relação ao recenseamento de 1990. A taxa de crescimento populacional - após o plano do filho único imposto pelo governo comunista em 1980, para frear o aumento da população - teria-se estabilizado em torno de 1,07 ao ano, (-0,4% em comparação à década de 80); enquanto a taxa de fecundidade por mulher em idade fértil caiu para 1,8 filho contra os 4 filhos dos anos 70. Todavia, o que criou graves problemas foi a diferença entre as meninas e os meninos recém-nascidos, que se agravou com esse plano do filho único.

Pela lei biológica de sobrevivência da humanidade, a diferença entre os sexos deveria ser de 102-106 meninos para 100 meninas.

A média nacional na China é de 117 meninos para 100 meninas, chegando, em certas províncias do interior, a 163,8 meninos.

As conseqüências são graves porque, na idade de casar, não há um número suficiente de moças para todos os rapazes. Para amenizar essa situação, as famílias em boa situação financeira tentam importar, ilegalmente, mulheres de países vizinhos, mas existe o perigo de as noivas clandestinas receberem multas e serem repatriadas, após um período nas prisões chinesas.

Se os moços não tiverem dinheiro suficiente para arrumar alguma moça chinesa ou para importar dos países vizinhos, não podem formar família, o que se transforma numa tragédia nas tradições culturais chinesas fundadas sobre o confucionismo.

O menino na China de sempre

O número de moças que falta já estaria na casa de milhões e as causas são facilmente identificáveis: elas foram vítimas de infanticídios, de abortos provocados pelos pais quando descobriam que o feto era uma menina ou foram abandonadas nas encruzilhadas das ruas quando recém-nascidas. Alguns pais as escondem e não as declaram ao Estado, correndo perigos de sanções e prisão, se forem descobertos.

Na China, a preferência dos pais pelo filho de sexo masculino é uma tradição profundamente arraigada, desde a idade feudal. No filho homem, concentra-se a responsabilidade de manter os pais quando idosos, de possibilitar-lhes um enterro solene, de fazer as oferendas sobre os túmulos deles para as necessidades após morte, conforme a tradição confuciana. Somente o filho homem é o único herdeiro dos bens da família.

A menina, pelo contrário, é destinada a se casar pouco importa se gostar ou não, se for amada ou desrespeitada pelo marido. O divórcio ou separação está fora de discussão. Uma vez casada, ela está casada para sempre e pertence à família do marido, exatamente como na sociedade feudal. Ela deve gerar filhos, possivelmente homens, para o marido e fazer sua vontade.

Até pouco anos atrás, o símbolo da submissão da mulher era a prática de impedi-la que desenvolvesse pés normais, por meio de bandagens que lhes eram impostas desde os primeiros anos de vida. Esta prática iniciou-se nos anos da dinastia dos Tangs (618 - 907) e foi eliminada pelo regime maoísta. Os pés pequenos eram uma maneira de tolher-lhes a liberdade de movimento, de modo que a mulher ficasse praticamente presa em casa e a moça que não tivesse pés pequenos não era aceita como esposa.

 

A mulher após o regime maoísta (1949- 1979)

A China maoísta tentou libertar a mulher dessas discriminações dando-lhe, teoricamente, os mesmos direitos políticos, econômicos e socioculturais que os homens. Pela atual lei, teoricamente, estão proibidos os matrimônios arranjados, a mulher pode pedir o divórcio ou se separar, pode herdar e receber um salário em paridade de trabalho com os homens.

Apesar disso, as desigualdades continuam ainda em todas as fases de sua vida. A preferência ligada ao sexo é mais forte que a lei, especialmente no interior e nas regiões mais pobres da China. De fato, a lei e as conseqüências demográficas cedem diante do pragmatismo e da tradição que ainda preferem filhos homens e desconsideram a mulher na organização familiar.

As nefastas conseqüências do filho único

Em janeiro de 1980, quando a população chinesa já passava de um bilhão, o governo central lançou o "Documento nº 1" que tentava planificar os nascimentos com um conjuntos de medidas para limitar a um único filho por casal. Havia uma série de vantagens para quem se limitasse a um único filho, de multas e restrições civis para quem tivesse mais de um filho. Esse documento, com suas promessas e ameaças, fez baixar a natalidade nas cidades e na zona rural. Promovendo a política do filho único, o governo certamente não tinha a intenção de ressuscitar os conceitos feudais sobre a inferioridade da mulher, mas acabou por reforçar sua inferioridade e é isso que está acontecendo na China de hoje. Se um casal pode ter somente um filho, conseqüentemente vai querer um filho homem, sendo esta uma exigência cultural ainda profundamente arraigada no povo chinês. Se, por acaso, o bebê é menina, surge para o casal um gravíssimo problema ético e cultural: se ficar com ela, não pode mais ter o filho homem. A triste realidade é normalmente a morte ou o abandono da menina recém-nascida.

O infanticídio de recém-nascidas ou sua exposição nas ruas vêm de longa data e, nas cartas que os missionários enviavam, era denunciado como o pecado hediondo dos chineses. Hoje, quem visitar os orfanatos do governo ou da Igreja patriótica perceberá que lá existem somente meninas e raríssimos meninos, geralmente deficientes mentais.

O menino excepcional, não podendo cumprir seus deveres filiais, conforme os preceitos confucianos, é equiparado à menina, considerado inútil e um peso para os pais e portanto será abandonado a sua triste sorte: Morte ou orfanatos oficiais.

Uma denúncia da Comissão dos Direitos Humanos da Ásia, composta por católicos, budistas e islâmicos, registra que, nos anos 80, em regiões rurais e do interior, já faltavam 800 mil mulheres para casamento. Essas situação tornou-se cada vez mais grave, tanto que as autoridades do Comitê Central do Partido Comunista da China com o Conselho dos Negócios do Estado, em 7 de maio de 2000, publicou algumas notas, tentando esclarecer certos pontos do Documento nº 1, sem negar, porém, a política do filho único: "O governo autoriza uma certa flexibilidade na aplicação da política do filho único" e o porta-voz do governo da Comissão do planejamento familiar, Chen Shengli, explica que "o modelo familiar com um único filho jamais foi uma política de planejamento imposta aos casais ... mas somente um modelo de uma linha diretora de comportamento".

Diante da previsão de que, em 2010, a população da China vai ultrapassar um bilhão e 400 milhões de habitantes, um estudo atento dos novos documentos revela porém, que a política do filho único será retomada com força, como confessa o mesmo porta-voz, quando afirma que "este objetivo de manter aquém o número dos habitantes, será conseguido somente com a política do filho único por casal, política que iniciou em 1980".

Resumo do documento publicado pela Eglise d'Asie, em abril de 2001

http://www.pime.org.br/mundoemissao/demografiaunico.htm

 

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Ana Maria C. Bruni

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